sexta-feira, setembro 25, 2009

SESSÃO DE LANÇAMENTO - LIVRARIA CÍRCULO DAS LETRAS - 24/09/2009

A sessão de lançamento duas primeiras obras da colecção "Sefarad" contou com a presença de cerca de 70 pessoas. Aqui fica o texto de apresentação da obra "Breve História dos Judeus em Portugal", da autoria de António Eloy:


“Que as palavras que o vento leva arrastem as cinzas sobre as quais temos alicerçado passado, que no futuro não queremos repetir, que as palavras carreguem a realidade com o sofrimento e os heroísmos de que é feita a história e nunca esqueçamos quem somos e donde vimos.”

Eu, nesta apresentação, neto de marrano, tetraneto de judeus retornados de Marrocos, que se estabeleceram em Lisboa como ourives e que não deixaram de procurar comunidade e alegria, estou grato.
Antes de mais por podermos partilhar este momento.
Esta apresentação não tem inocência, tem um lugar.
Um lugar de quem pensa que a história é também a transformação desse lugar, em mais conhecimento, compreensão e cidadania.

É com todo o gosto que venho apresentar este precioso livro de Jorge Martins, para o qual julgo ter empenhado algum “ar”, no seguimento de comentário que lhe fiz sobre a edição em 3 tomos do que foi substancialmente a tese de doutoramento que defendeu, e que me mereceu alem de uma avaliação pela espessura e densidade, aliada há que dizê-lo à qualidade e cidadania, que prestigiam o historiador, uma nota sobre a necessidade de transformá-la em documento mais leve na leitura, que servisse para introduzir os nossos jovens a esta importante dimensão da nossa história, de nós mesmos.

Aqui temos esta #Breve História dos Judeus em Portugal# a preencher a lacuna, a tornar incontornável, esta parte de nós no ensino.
Nesta #Breve# vamos dos 1ºs povoamentos judaicos que chegaram até a Ibéria/Sefarad com populações fenícias, passando pela especificação profissional que tipificava a organização social e que conduziu ao #racismo# /religioso e à Inquisição, como momento que além de ideológico é baseado numa lógica económica, do orgulhosamente sós,,,.
A história complexa do retorno no seguimento do fim da Inquisição, à solidão das comunidades perdidas, e aos detalhes de que também é feita a história e às estórias que essas sim honram uma parte de nós.
E, não quero deixar de lançar aqui mais um desafio ao Jorge, de completar em novo documento o pensamento que nos deixa com água na boca, e que é sintetizado:
# perdemos a nossa plena identidade a partir do inicio do século XVI e nunca mais a recuperámos até hoje.#
Fala-nos da perda da nossa identidade que também é, como sabemos muito bem, judaica, e com mais este e outros trabalhos começamos a recuperar.

Não se pode compreender o atraso sócio-cultural, das nossas estruturas produtivas, o bloqueio das ideias sem conhecer e desenvolver o notável ensaio de Antero de Quental, #As causas da Decadência....#, e sem agora que está estabelecido este documento #Breve# desenvolver trabalho e investigação sobre as articulações que daqui decorrem e que o Jorge tão bem nos “apetiza” nestas conclusões.

Mas apresentar um livro, este livro é, para mim, também uma ocasião e oportunidade para abordar três pontos:

1-A História.

Cito:
#Uma palavra, em suma, domina e ilumina os nossos estudos: “compreender”.
Não afirmemos que o bom historiador é alheio às paixões; tem aquela, pelo menos.
Palavra essa, não tenhamos ilusões, cheia de dificuldades, mas também de esperança.
Palavra cheia, sobretudo, de amizade.
Até na acção julgamos de mais.
É tão cómodo gritar “à forca”!

Nunca compreendemos bastante.
Quem difere de nós – estrangeiro, adversário político – passa, quase necessariamente, por mau.
Mesmo para orientar as lutas inevitáveis, seria necessário um pouco mais de inteligência das almas; com mais forte razão se as queremos evitar, quando ainda é tempo.
A história, se renunciar ela mesma aos seus falsos ares de arcanjo, deve ajudar a curar-nos desta mania.
Ela é uma vasta experiência da diversidade humana, um longo encontro dos homens.
A vida, como a ciência, tem tudo a ganhar se o encontro for fraternal.#

De Marc Bloch, historiador, resistente, torturado e fuzilado pela Gestapo em 1944

A história, ciência dos homens no tempo, é conhecimento do passado a progredir no tempo.
Conhecimento filtrado pelos autores, detentores do discurso, filtradores de todos os elementos da vida e continuidade do, de um povo, de todos os elementos da sua existência.
A leitura, a busca dessa leitura que nos é dada da história tem instrumentos, que são determinados pelas bases da investigação, e aqui quero mencionar o Homem, o meu velho conhecimento do Jorge.

Percorremos a licenciatura cruzando-nos ocasionalmente, numa Faculdade de Letras em efervescência, nos anos pós 25 de Abril em que a descoberta da cidadania se fazia na história, com notáveis “facilitadores” que muitas vezes eram, noutros momentos, camaradas, como António Borges Coelho, Cláudio Torres, Isabel Castro Henriques, Vítor Gonçalves, Manuel Maia, Mª José Trindade, Jorge Custódio meia dúzia que me vem à memoria de tantos que criaram uma dinâmica de aprendizagem que entroncava numa cidadania recuperada e num sentido para a história. Por estas Letras conheci o “Galinheiras” que era um tributo ao que penso era ou tinha sido o seu local de residência ou militância politica.
Em Letras penso que construímos um entendimento que motivou o re-encontro, com a magna História que o Jorge, continuador da busca, transformação do passado em conhecimento no presente, prosseguiu.

2-A Cidadania

# A medo vivo, a medo escrevo e falo,
hei medo do que falo só comigo;
mas inda a medo cuido, a medo calo#
Cavaleiro de Oliveira, citado em “O Judeu” de Bernardo Santareno

Não é possível identificar Portugal sem lhe reconhecermos a alma judaica,
mas também sem analisarmos a alma negra do medo da inquisição e do fanatismo, a alma megera da maldade, que tem que ver com o espírito da massa, manipulada sabiamente pela ignorância ao serviço da cupidez, e de interesses sócio-económicos específicos, de manutenção ou consolidação de privilégios.
A Inquisição, à qual como nos diz o Cavaleiro de Oliveira, agora pela palavra de Santareno “ se deve o empobrecimento do Reino, porque para substituir o Santo Ofício inventa judeus como outros fabricam moeda...! “
Mas o empobrecimento do Reino, ontem como hoje não é o empobrecimento de todos:

Uma economia fechada ao desenvolvimento comercial e industrial e à internacionalização e,
a mais cidadania que com essa mobilidade se gera,
uma classe dominante anquilosada em lógicas de poder familiar e de bens em meia dúzia, uma indústria incapaz de consolidação e sustentação no mercado,
um sistema politico bloqueado, dominado por castas e manipulado por instituições acima do crivo democrático, onde os cargos resultam de compra, e relações familiares,

não, não estou a falar dos dias de hoje, embora pudesse, mas das trevas que desde a Inquisição parecem toldar um Portugal que continua a arredar-se da sua história e a não aprender com a compreensão desta.

Defender a História toda, a sua melhor compreensão, é um acto da maior relevância politica e esta Breve História dos Judeus em Portugal é um marco incontornável para o direito dos jovens, de todos os portugueses ao seu passado.
Devia ser indispensável nos curricula escolares.

3- O Homem,
Já aqui referi algum passado que partilho com o Jorge.
Referi que nos reencontrámos no âmbito da publicação dos 3 volumes da magna História # Portugal e os Judeus#, e por esta me ter agradado e surpreendido, pela densidade, informação e envolvimento do historiador.
Penso, e isso já ficou claro, que o sujeito da história, aquele que nela pega, a constrói e re-constrói, nela procura os elementos que explicam outros elementos, a continuidade que busca outra continuidade, esse sujeito da história não pode ser um esbracejador de novelas rascas de figuras de pamplina, mas deve sim ser um cultor de responsabilidade cívica e social.
Cruzei-me, também, com o Jorge na realização, no quadro da concretização, num espaço carregado de história, no Largo de S.Domingos, do Memorial ao Massacre de 1506.
Esse Memorial regista, num espaço que é hoje na zona do novo “marranismo” que são os cruzamentos de populações de origens diversas, de diferentes religiões, dos mais vários costumes, que é a diversidade e o respeito por essa, perpetua o que queremos um elemento de referencia de direitos humanos e cidadania.
O Jorge é um historiador e um cultor da responsabilidade cívica, a quem agradeço mais este #Breve# que espero atinja outras almas e outras gentes...
Obrigado Jorge, pela tua compreensão.

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