quinta-feira, outubro 26, 2006

GUIÃO DA EVOCAÇÃO DO ANIVERSÁRIO DA EXECUÇÃO DE ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA


LEITURA DRAMATIZADA DO PROCESSO INQUISITORIAL DE ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA
Santiago Alquimista, 18 de Outubro de 2006


PADRE PREGADOR
Desgraçados homens! Mas por sua culpa desgraçados, que sempre se perderam por negativos. (Muito alto e poderoso Rei e Senhores nossos) Desgraçados homens! Mas por sua culpa desgraçados, que sempre se perderam por negativos. Parece fatalidade, mas é obstinação e perfídia. Antigamente, negaram a Deus os Israelitas, cansados de esperar por ele; agora, negam a Deus, esperando por outro sem cansar.
Veio, finalmente, ao mundo o Messias tão desejado, satisfez o Filho de Deus às esperanças dos homens, fazendo-se homem; e, quando parecia que os Judeus, cansados de tanto esperar, reconheceriam com grande alvoroço o seu Deus e o seu Messias, tornaram ao costume antigo de negar. Inventou a sua perfídia outro modo de negar a Deus. Negaram e disseram que não era este o Messias, mas outro por quem ainda esperam.
Confesso que à vista de tão indesculpável perfídia, quando me mandaram subir hoje a este lugar para desenganar este povo, pretendi fugir ao preceito, desculpando-me com as palavras de Jeremias em semelhante missão: «Ah, Senhor, que não sei falar neste caso e até me faltam as palavras». Não me foi admitida a escusa, como nem ao Profeta, porque o Sermão era de missão, em que tenho por intuito o pregar.
Aqui venho, pois, por obediência, a desenganar este povo, como antigamente Jeremias na sua missão. Mas que hei-de eu dizer a um povo tão obstinadamente negativo? Propor-lhe-ei a sem razão das suas mesmas negações, dando-lhe nos olhos com a sua maliciosa cegueira, para que, vendo a sua grande culpa, se resolvam a chorá-la. Ouvi, pois, infelizes relíquias do Judaísmo; ouvi, irmãos caríssimos, a quem deveras desejo a salvação; ouvi ponderar e convencer a repetida perfídia de vossas negações, não para vo-las lançar em rosto com desprezo, mas sim, para vo-las fazer confessar com arrependimento, que este é o fim com que o Senhor, pelo nosso Profeta, exagera tanto esta grande prevaricação de o haverdes negado.
Para vencer um gentio, deve fazer-se o tiro à cabeça: a razão que lhe pregámos ao entendimento é a pedra que se lhe prega na testa... Mas, para vencer um Judeu infiel, que sendo filho amado, quis ser traidor e inimigo, não à cabeça principalmente, mas ao peito se deve fazer o tiro, não com uma só, mas com muitas lanças se lhe deve tocar e penetrar o coração... para ver se deste modo se rompe o denso véu da sua obstinação e a densa nuvem da sua dureza.
O fogo do inferno em que irão cair se se não emendarem... Oh que poderosas três lanças, para que temendo ser trespassados delas, emendem as suas três negações, com que vos tem ofendido, negando vossa Divindade, negando vossa Vinda e negando vossa Pessoa!
Este tanto temor, e só este tanto temor, quisera eu, irmãos caríssimos, que vos movesse os corações a vos desdizer dos vossos erros e abraçar de todo o coração as verdades católicas. Nem outra cousa intenta este Santo Tribunal.

INQUISIDOR-MOR (para António)
António José da Silva, levantai-vos! (António levanta-se) Sois acusado de judaizar, juntamente com vossa mãe e outros familiares. Confessais vossas culpas?

ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA
Que delito fiz eu para que sinta o peso desta aspérrima cadeia nos horrores de um cárcere penoso? (para o Inquisidor-Mor) Não sei que confessar. Não conheço as culpas deque este tribunal me acusa…

INQUISIDOR-MOR Tragam-me a testemunha de acusação! (entra Leonor Gomes, a escrava denunciante)
Contai a este tribunal vossas denunciações de António.

LEONOR GOMES
O que se passou foi o que segue. Estavam todos juntos, António José, sua mãe, sua tia, seu irmão e sua cunhada, num sábado, a comemorar o Yom Kipur, o “Dia Grande” dos pertinazes judeus. Eu vi-os com estes olhos que a terra há-de comer!...

INQUISIDOR-MOR
Mas, tendes a certeza de que António José da Silva judaizava em casa com a família?

LEONOR GOMES
(Hesitante) Certeza, certeza… não!... (convictamente) Mas, que estaria ele a fazer, reunido em família, justamente no dia mais importante para os cães judeus?

INQUISIDOR-MOR
Não estais certa?!... (bruscamente) Levai-a para as masmorras dos Estaus! (levam-na)
(para António) Em nome de Cristo Nosso Senhor, confessai toda a verdade, para merecerdes a misericórdia deste Santo Tribunal.

ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA
Como hei-de confessar as culpas que não tenho?...

INQUISIDOR-MOR
(Irado) Metei-o a tormento!

(o carrasco arrasta António para junto do polé, o instrumento de tortura)

INQUISIDOR-MOR
Pelo lugar em que estais e instrumentos que nele vedes, podeis entender qual é a diligência que convosco está mandada fazer, pelo que e para o poderdes escusar, vos tornamos a admoestar, com muita caridade da parte de Cristo Nosso Senhor queirais confessar vossas culpas, para com isso alcançardes a misericórdia que nesta mesa se dá aos bons e verdadeiros confitentes.

ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA
Nada mais tenho a confessar, senão meus pecados a Deus no Dia do Juízo Final.

INQUISIDOR-MOR
(Para o público) Se o réu, no tratamento, morrer ou quebrar algum membro ou perder algum sentido, a culpa será sua, pois voluntariamente se expõe a este perigo, que pode evitar confessando suas culpas, e não será dos ministros do Santo Ofício que, fazendo justiça segundo os merecimentos de sua causa, o julgam a tormento.

(António é içado, ficando suspenso pelos braços)

INQUISIDOR-MOR
Em nome de Cristo Nosso Senhor, rogamos que confesseis vossas culpas, para assim alcançardes a misericórdia deste Santo Tribunal.

ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA
(Gemendo descontroladamente) Que quereis que confesse?... Eu confesso tudo o quiserdes!... Mas, por favor, parai com o tormento!...

INQUISIDOR-MOR
Para o carrasco) Parai o tormento!

ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA
(Olhando para cima) Oh Deus, se sois justo, como castigas tão tiranamente este mísero inocente?!

INQUISIDOR-MOR
(Proclamando a sentença) O réu, António José da Silva, comediógrafo desta Corte, acusado de convicto, negativo e relapso, vai condenado à pena de relaxado em carne, pelo que será subido a um mastro alto, aonde morrerá morte natural de garrote, e depois seu corpo será queimado e feito por fogo em pó e suas cinzas lançadas ao mar, para que dele não haja memória.

(António é queimado na fogueira)

PADRE PREGADOR
E no fogo com que ameaça os teimosos obstinados, lhes lembra o maior, e sem comparação maior e mais voraz incêndio do inferno a que vos conduz a sua teima. Não faz agora mais o Santo Tribunal da Fé que lembrar-vos outra vara com a sua vara... Outra vigia com a sua vigia... E outro fogo com o seu fogo... Para ver se o temor destas lanças com que a Justiça Divina vos ameaça, vos penetra agora os corações de forte, que, por uma vez, com verdadeiro e não fingido arrependimento se rendam e confessem em repetidas confissões que o Messias é Deus, já tem vindo e que é o nosso amabilíssimo Jesus, que morreu naquela Cruz por nos salvar.
E vós, a quem a vossa desgraça reduziu à extrema miséria em que vos vejo relaxada à justiça secular, vos lembro, que com tempo abrais os olhos ao desengano. Em breves horas vos vereis em outro Tribunal do Juízo Divino muito mais circunspecto e severo do em que ao presente estais.

(Os convidados são forçados a colocar na fogueira os livros (ou imagens), enquanto o padre secular lê nomes de intelectuais vitimados pela Inquisição)

PADRE PREGADOR
(Lê a lista de nomes)

quinta-feira, outubro 19, 2006

FOTOS DO LANÇAMENTO DO 3º VOLUME NO SANTIAGO ALQUIMISTA EM LISBOA

Um frade anuncia a realização do auto-de-fé



Adolfo Gutkin abre a sessão



Adolfo Gutkin homenageia Bernardo Santareno



O 1º carrasco lê nomes de vítimas da Inquisição



O 2º carrasco lê nomes de vítimas da Inquisição



O 1º inquisidor deposita na fogueira biografias de vítimas da Inquisição



O 2º inquisidor deposita na fogueira biografias de vítimas da Inquisição



O padre pregador profere um sermão aos judeus condenados à fogueira



António José da Silva é interrogado pelo Inquisidor-Mor



A testemunha de acusação denuncia António José da Silva



O Inquisidor-Mor admoesta António José da Silva para que confesse que judaizou com a família



António José da Silva é torturado no polé



O livro "O Judeu", de Bernardo Santareno, é lançado na fogueira



António José da Silva é queimado simbolicamente através das páginas de "O Judeu"



O padre pregador conclui o seu sermão, enquanto António José
da Silva arde na fogueira



Ardem na fogueira as vítimas do Santo Ofício



Os actores agradecem os aplausos do público



Intervenção do Dr. Assírio Bacelar, editor da Nova Vega



O Dr. António Carlos Carvalho apresenta o livro



Intervenção final do autor

domingo, outubro 08, 2006

LANÇAMENTO 3º VOLUME - 18 DE OUTUBRO


O 3º volume de PORTUGAL E OS JUDEUS vai ser lançado em Lisboa no próximo dia 18 de Outubro, às 18h., no TEATRO SANTIAGO ALQUIMISTA, na Rua de Santiago, 19 (junto ao Miradouro de Santa Luzia). A apresentação do livro estará a cargo do Dr. António Carlos Carvalho.
A data evoca o 267º aniversário da execução de António José da Silva ("o judeu"), em auto-de-fé, realizado em 18 de Outubro de 1739. Homenageando este dramaturgo, pretendemos recordar todos os autores que foram vítimas da Inquisição durante quase três séculos de crimes e de terror (1536-1821).
Desta vez, escolhemos a leitura dramatizada de excertos da peça "O JUDEU", de Bernardo Santareno, de que se comemora este ano o 40º aniversário da sua 1ª edição (1966-2006). Esta escolha pretende significar, igualmente, uma homenagem a este dramaturgo, que eternizou António José da Silva, justamente através do teatro.
A direcção da leitura dramatizada estará a cargo de Adolfo Gutkin, com a colaboração de Jorge Sequerra, o actor que participou nos lançamentos dos dois volumes anteriores de Portugal e os Judeus.

domingo, outubro 01, 2006

PORTUGAL E OS JUDEUS - 3º VOLUME


O judaísmo português teve duas fortes vertentes no século XX: a legalização das comunidades judaicas – a de Lisboa foi legalizada em 1912 – e a chamada “Obra do Resgate”, iniciada pela descoberta do criptojudaísmo nas Beiras e em Trás-os-Montes por Samuel Schwarz e dirigida pelo capitão Barros Basto. Depois da edificação da Sinagoga Shaaré Tikvá, em Lisboa, em 1904, o Porto via inaugurar a “Catedral Judaica do Norte”, a Sinagoga Mekor Haim, em 1938. Ao contrário do século XIX, as primeiras décadas do século XX português foram marcadas pela emergência de um anti-semitismo ideológico, protagonizado por correntes nacionalistas, designadamente o Integralismo Lusitano, que surgiu durante a I República e, justamente, contra ela.
Se fizermos hoje um balanço da história dos judeus em Portugal, podemos concluir que o país nunca mais recuperaria a alma judaica. Foi este o mais perene dos muitos crimes da Inquisição, que os dois séculos posteriores à tricentenária história da intolerância não conseguiram reconciliar no ser português que somos hoje. Na verdade, perdemos a nossa plena identidade a partir do início do século XVI e nunca mais a recuperámos até hoje. Por outras palavras, apesar da tão propalada presença judaica no ser português, ainda não somos capazes de assumir, no século XXI, a dimensão judaica da nossa identidade.
Este terceiro volume de Portugal e os Judeus (Judaísmo e Anti-semitismo no Século XX) é lançado à passagem do aniversário da execução de António José da Silva, “o Judeu” – consumido pelas criminosas chamas do auto-de-fé de 18 de Outubro de 1739 –, com o objectivo de homenagear todos os intelectuais, artistas e escritores portugueses assassinados pelo intolerante tribunal do Santo Ofício.