quarta-feira, setembro 30, 2009

DO PREFÁCIO DE "BREVE HISTÓRIA DOS JUDEUS EM PORTUGAL"



Já se publicaram algumas histórias dos judeus portugueses, todas elas de acentuado cariz académico, mas faltava uma obra de conjunto, actualizada e acessível ao grande público, destinada, particularmente, aos professores e aos estudantes, complementando ou suprindo as clamorosas omissões dos nossos programas escolares. É este o objectivo de Breve História dos Judeus em Portugal. Em consequência da nossa recente publicação de Portugal e os Judeus (Vega, 2006), constatámos que causou grande surpresa a descoberta de que, afinal, os judeus portugueses têm uma história para contar e que não é coisa dos outros, faz parte da História de Portugal.
Na verdade, os judeus constituem um caso singular na história da sociedade portuguesa. Já habitavam a Península Ibérica quando se formou o reino de Portugal, tendo participado na Reconquista. Mantiveram uma vivência globalmente pacífica no seio da maioria cristã, ao lado dos muçulmanos, até ao Édito de Expulsão de 1496. Participaram nos Descobrimentos com os seus vastos saberes. Baptizados à força, viveram uma dupla identidade: cristã e criptojudaica. Perseguidos pela Inquisição, resistiram às tentativas de extinção. Gradualmente emancipados pela legislação pombalina, liberal e republicana, reintegraram a sociedade portuguesa. Abandonados e esquecidos de si mesmos, emergiram num singular marranismo nas Beiras e em Trás-os-Montes, onde o braço inquisitorial tinha dificuldades em chegar. Protegidos por uma plêiade de diplomatas filo-semitas, muitos judeus europeus se salvaram do Holocausto e utilizaram Portugal como porta de saída da Europa, paulatinamente ocupa pela besta nazi. Graças à democracia resgatada em 1974, puderam assumir a plena prática do judaísmo, embora sem o fulgor de outrora, que os Tribunais do Santo Ofício trataram de destruir.
O facto de os judeus constituírem hoje uma pequena minoria em Portugal é o resultado desta história atribulada, mas que deixou traços indeléveis no resto da população, como o atesta o recente estudo genético, publicado no American Journal of Human Genetics, que concluiu que os portugueses apresentam cerca de 30% de ascendência sefardita (23,6% no Norte e 36,3% no Sul) ou seja, um terço dos portugueses preservou o “sangue judaico” durante mais de cinco séculos.
Jorge Martins

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