DO RESSURGIMENTO DAS COMUNIDADES JUDAICAS
À PRIMEIRA REPÚBLICA
A emancipação dos judeus franceses, em finais do século XVIII, abriria um ciclo de emancipações judaicas europeias, que se prolongariam pelo século XIX. Contudo, o despontar do moderno anti-semitismo europeu na segunda metade do século XIX, consubstanciado pela crescente literatura racista, suportada por pretensas teses “científicas”, criara condições para que o “affaire Dreyfus” se tornasse um caso de opinião pública internacional, chamando a atenção para a “questão judaica” que, afinal não havia sido enterrada pela onda de emancipação dos judeus no velho continente. Os pogromes na Rússia czarista, desde os primeiros anos de 1880 até início do século XX, com a prestimosa ajuda da mais controversa e célebre falsificação do século, levada a cabo pela Okhrana – Os Protocolos dos Sábios do Sião –, abririam uma nova fase para a situação dos judeus na Europa, desta vez, da Rússia à França. O mito da conspiração judaica mundial ganharia a primazia no combate dos anti-semitas europeus.
Foi neste difícil contexto que surgiu o sionismo político, corajosamente sugerido por Theodor Herzl, que ficara muito impressionado com os acontecimentos do caso Dreyfus, que presenciara e que o levaram a propor a criação de um Estado Judaico, como única solução para o inusitado anti-semitismo crescente, que fustigava dramaticamente os seus irmãos na Europa Oriental. Na realidade, o Estado judaico viria a tornar-se uma possibilidade séria, embora de difícil concretização.
Em Portugal, quando o parlamento liberal extinguiu a Inquisição em 1821 já os primeiros judeus marcavam presença, principalmente em Lisboa e nos Açores, onde haviam constituído comunidades organizadas. O ressurgimento do judaísmo português durante o século XIX seria uma realidade insofismável, embora não reconhecida oficial e legalmente pelas autoridades monárquicas. Tacitamente aceites e tolerantemente integrados na sociedade portuguesa, os judeus procederiam à sua organização, criando sinagogas, edificando cemitérios e afirmando-se no país, pela emergência de figuras gradas, que atingiriam o reconhecimento público em diversas actividades económicas, culturais, científicas e académicas.
O “affaire Dreyfus” revelou-se um excelente barómetro para atestar do estado da questão judaica em Portugal. E, de facto, desde 1820 não houve questão judaica portuguesa até à implantação da República. O movimento antidreyfusista não teve eco na sociedade portuguesa da época. Antes pelo contrário. Só no início do século XX, com António Sardinha, o maurrasiano mentor do Integralismo Lusitano, assistiríamos à emergência de um anti-semitismo ideológico, que se espalharia entre algumas das figuras mais conservadoras da direita nacionalista portuguesa durante os turbulentos anos da Primeira República.